Errar é humano, não é mesmo? É natural cometermos erros no desempenho dos nossos trabalhos. E se este erro vier a causar um prejuízo monetário, o patrão pode descontar no salário do trabalhador?
Saber se o empregador pode descontar erros e prejuízos no salário do empregado é uma dúvida comum, especialmente entre aqueles trabalhadores que lidam com dinheiro. Exemplo são os operadores de caixa, tesoureiros e cobradores de ônibus.
Isso pode acontecer ainda com quem trabalha operando máquinas de alto valor como motoristas e operadores de outros equipamentos tais como tratores e maquinários de fábrica.
Causei um dano e agora quem assume o prejuízo?
A resposta mais rápida que eu poderia dar para esta pergunta é: depende. Para uma resposta mais completa é preciso compreender melhor a questão.
Quando o prejuízo causado é intencional (por dolo)
Vamos começar pelo mais óbvio. Se o empregado causa um prejuízo ao patrão e esta conduta foi intencional, isto é, se o empregado desejou o resultado de causar o dano, naturalmente terá de arcar com os prejuízos causados. Nestes casos o empregado pode, sim, sofrer descontos salariais do valor que for suficiente para cobrir o prejuízo.
A legislação trabalhista não deixa dúvidas: não é justo que o empregador assuma um prejuízo por causa de ações mal-intencionadas de seus empregados. Vandalismos e danos intencionais ao patrimônio da empresa e de terceiros autorizam, portanto, o débito deste prejuízo no salário ou ainda no acerto do empregado caso a situação resulte em dispensa por justa causa.
O patrão não pode descontar quando o prejuízo resulta de um erro
Pois bem, quando falamos de um erro do trabalhador, ou seja, quando se trata de uma conduta não intencional de causar um dano, o patrão não pode descontar o prejuízo no salário do empregado. Trata-se de uma regra prevista na CLT.
Qualquer tentativa de desconto forçado pode e deve ser questionado pelo trabalhador. Caso este desconto venha a comprometer severamente o salário do empregado, então estamos diante de uma falta gravíssima do empregador, sujeita a rescisão indireta do contrato.
Nestes casos o trabalhador prejudicado deve procurar imediamente um advogado trabalhista e ainda fazer uma denúncia ao ministério do trabalho.
Ora, nada mais justo! É preciso entender que os riscos da atividade empresarial são totalmente do empregador e não do empregado. Por isso, eventuais falhas ou danos causados por empregados, mesmo que ele seja culpado, não poderia ocasionar qualquer tipo de desconto no salário sem a permissão do trabalhador.
Essa regra vale tanto para danos causados ao patrimônio da empresa quanto para os prejuízos causados a terceiros. Vale repetir: em qualquer destas situações a legislação trabalhista proibe descontos correspondentes no salário do empregado.
Atenção! Caso o empregado concorde com o desconto, o patrão pode descontar!
Quando o empregado autoriza a descontar em seu salário os danos causados por ele, então obviamente o patrão poderá fazer isso.
Por mais óbvio que isso pareça é importante destacar essa informação. Muitas vezes o trabalhador, imediatamente após o dano causado, autoriza o desconto em seu salário. É normal que ele faça isso pelo calor do momento, por medo, ignorância ou pressão do patrão. Inclusive não é raro sofrer ameaça de dispensa imediata por justa causa.
Por isso a dica que dou é não assinar qualquer documento de autorização sem consultar antes um advogado trabalhista. Não faça isso, independente de qualquer coisa.
O patrão pode descontar multa de trânsito no salário?
Esta sim é uma ótima pergunta e ela divide opiniões. Boa parte dos juízes trabalhistas entendem que sim, o patrão pode descontar a multa de trânsito no salário do empregado.
Afinal, cumprir a legislação de trânsito é um dever de toda a sociedade. O valor da multa também serve como meio pedagógico para estimular o mau condutor a adotar uma postura mais consciente no trânsito.
É importante dizer, mais uma vez, que antes do motorista ser um trabalhador ele é um condutor. Ao dirigir está sujeito ao Código Brasileiro de Trânsito. Seu dever é de se portar no trânsito com cautela e responsabilidade, sendo justo assumir todas as consequências por ser um mal condutor.
Em outras palavras: o trabalhador não é obrigado a infringir a lei. Não é obrigado a avançar o semáforo ou parar em local proibido. Também não é obrigado a transitar em velocidade excessiva na via para garantir a execução de seus serviços. Se fizer isso de livre consciência será por sua conta e risco.
Existe alguma situação onde a multa de trânsito não pode ser descontada no salário do trabalhador?
Apesar da regra geral dizer que o trabalhador pode sofrer desconto salarial em casos de infração de trânsito, entendemos que há exceções.
Como advogado trabalhista, com mais de 10 anos de experiência na defesa de trabalhadores, reconheço que certos motoristas profissionais sofrem pressão abusiva de seus patrões em nome do lucro. Muitas vezes são obrigados a cumprir prazos de entrega e deslocamento, sofrendo punições ou ameaças quando não cumprem tais exigências.
Quando o empregador abusa de seu poder
E não somente isso. Há casos também em que os empregados são submetidos por patrões a jornadas extenuantes de trabalho. Em condições exageradas isso pode reduzir muito a sua atenção no trânsito e provocar inclusive danos à saúde mental deste trabalhador.
Por consequência estas jornadas abusivas podem ocasionar infrações de trânsito que jamais aconteceriam se o empregado estivesse com a saúde mental preservada. Poderia também ser evitada se este trabalhador não estivesse com uma sobrecarga perniciosa de trabalho.
O estresse diário pode ocasionar aumento de ansiedade, depressão e comportamentos agressivos, aumentando as chances da ocorrência de um acidente de trabalho.
Se o empregador colabora para submeter o empregado a estas condições, nada mais justo que ele seja responsabilizado por isso. Porém é importante dizer que são casos excepcionais e dependem de avaliação prévia de médicos e psicólogos.
Situações abusivas como estas são relativamente frequentes na vida profissional dos motoristas de ônibus coletivo e motoristas de frete. Nestes casos a exigência de pontualidade do empregador muitas vezes ignora a possibilidade de engarrafamentos e problemas mecânicos do veículo. As vezes tais exigências sequer levam em conta os limites de velocidades impostos pela via.
Conclusão
Portanto, quando o trabalhador pode comprovar condições abusivas de trabalho, certamente não é justo que ele assuma as consequências dessas exigências ilegais. Este empregado deve então comprovar que seu patrão faz tais imposições abusivas de trânsito. Deve comprovar ainda, se for o caso, as ameaças e punições sofridas, doenças mentais e comportamentais originados de um trabalho extenuante e abusivo.
Não podemos esquecer que a responsabilidade no trânsito é um dever de todos, inclusive do patrão. Garantir ao empregado condições de saúde mental, ergonomia, conforto e humanidade no ambiente de trabalho são aspectos básicos da relação de trabalho. Essas medidas básicas previnem danos ao patrimônio do próprio empregador e especialmente à saúde do trabalhador.